Num país civilizado, doutrinalmente blindado, pela soberania dos órgãos de soberania, respeitador das liberdades, transparência dos actos públicos e justiça cidadã, nunca o absurdo toma corpo e se agiganta ao ponto de calcorrear os “carreiros mentais” de uma grande maioria de cidadãos, principalmente, os mais pobres.
Por William Tonet
E o absurdo é maior quando a cumplicidade abraça o desespero, a fome e o desemprego, ao ponto da referência maior ser, o anterior, o actual preço do arroz e o Vice-Presidente da República.
Tudo pelo esvaziar da eficácia da terminologia pejorativa presidencial: marimbondo, nascida e colocada nos píncaros, do léxico político, nacional e internacional, mas rapidamente estatelada, pelo analfabetismo actuante da tribo política, no poder, pese o descomunal aparato de propaganda e contra-propaganda, controlado pelo regime, incapaz de alargar o prazo de validade de uma inverdade.
Achar diferenças abismais entre o porco e o javali é considerar que um deles, estranhe a vivência em pocilga, tal como os povos (recolonizados) desde 1975, infelizmente, com Menos/Pão/Liberdade/Água, considerem normal com a desvalorização salarial, ser a mesma coisa, um saco de arroz (2017) custar Kwz: 2.500,00 e, hoje (2019), o mesmo, ter o valor fixado em 15 mil kwanzas, mais de 70% do salário mínimo… de quem o tem.
A indiferença do Executivo, face à dramática situação de fome, aliada à falta de emprego e, mais grave, à perseguição ao trabalho alternativo dos cidadãos, pelos fiscais e agentes policiais, muitas vezes com práticas de quadrilhas de gatunos, é confirmada pela afirmação da ministra das Finanças de que, será pior a situação em 2020.
Sem optimismo e estratégia, ao terceiro ano o governo demonstra uma incompetência que ofusca o alegado combate à corrupção, no seio do MPLA, um partido cada vez mais exposto como um grupo talhado para a prática do mal contra as populações e povos de Angola.
Hoje existem muitas certezas de o regime confundir, “establishment” com “stabelichment”, cujos conceitos são diametralmente opostos, até na maternidade, mas bifurcam num vazio estonteante.
O primeiro é um termo inglês, referente à ordem ideológica, económica e política de um Estado ou sociedade, que em sentido depreciativo, designa uma elite social, económica e política que exerce forte controlo sobre o conjunto da sociedade, funcionando como base nos poderes absolutos estabelecidos.
O segundo (“stabelichment”) é a referência a um termo ou texto, expresso de forma e termos diferentes, que significam a mesma coisa, pois em linguagem tautológica (deriva do grego: tautologia), o povo designam, como: “tudo o que é demais sobra”…
E, na verdade, está a sobrar, o emergir de um rasgo de liderança, capaz de unir as inteligências do país, sem veleidades discriminatórias, para abraçarem um projecto comum de conciliação das franjas políticas, em busca da tão almejada reconciliação angolana, para parirem um novo “Projecto-País”.
E é dentro deste amontoado de dificuldades e indefinições políticas, sociais e económicas, que militantes excluídos, na actual e escancarada divisão do MPLA (uma espécie de reedição da Revolta Activa e Rebelião da Jibóia=Revolta do Leste), além de uma grande maioria de cidadãos, principalmente pobres, desempregados e desmobilizados de guerra, elegem um eventual regresso, em 2022, de José Eduardo dos Santos à Presidência da República, como se ele tivesse uma solução para a resolução da crise em que o país está assolado.
É um absurdo? É!
Infeliz ou felizmente exequível, quer devido à falta de eficácia da política económica, bem como do autoritarismo do Presidente da República e, ainda, fundamentalmente, face aos desvarios jurídicos de profissionais de Direito, como Carlos Feijó (antigo conselheiro do Presidente da República, Eduardo dos Santos) e Caetano de Sousa, venerando juiz do Tribunal Supremo, que “produziu”, em 2005 um Acórdão, onde afirma não poder ser considerado como mandatos, a vigência na Presidência da República de José Eduardo dos Santos, por de 1979 a 1992 nunca ter tomado posse.
Ora, aqui desembarcados, o anterior Presidente, com base na Constituição de 2010, só cumpriu um mandato: 2012 à 2017, nada o impedindo de eventual candidatura, em 2022, ao abrigo da lei magna:
Artigo 111.º
(Candidaturas)
1. As candidaturas para Presidente da República são propostas pelos partidos políticos ou coligações de partidos políticos.
2. As candidaturas a que se refere o número anterior podem incluir cidadãos não filiados no partido político ou coligação de partidos políticos concorrentes.
E, não podendo ser cabeça-de-lista pelo MPLA (uma vez João Lourenço, não abdicar de uma recandidatura), mesmo que quisesse evocar o título de presidente emérito, poderá, sem perder essa coroa, concorrer como independente, como refere o n.º 2 do art.º 111.º, por um partido político ou coligação de partidos políticos.
Para já não faltarão candidatos. O Folha 8 sabe que dois partidos políticos e uma coligação estão a tentar demover figuras próximas de Eduardo dos Santos e filhos, para o convencer a avançar, em 2022, como forma de resposta a um alegado abandono e humilhação, que vem, publicamente, sofrendo através do próprio partido e líder, que o acusam de ser, exclusivamente, o marimbondo-mor e grande-corrupto de Angola.
“Na política tudo é possível e o jogo das amizades é muito relativo, pois impera mais a plataforma dos interesses e, aqui, poderá existir esse sentimento das partes, visando Angola, diferente da que ele liderou e, que aprendeu, neste curto espaço, com o abandono e massacre público feito, não por nós oposição, mas pelo próprio partido que ele ajudou a ser um dos mais ricos do mundo, obviamente, com dinheiro público”, explicou ao F8, o economista Matondo Abreu Lukas, dirigente de um partido com assento parlamentar.
Instado a pronunciar-se como seria essa aliança e quando arrancaria, afirmou: “Nós pensamos lançar as sementes desta chapa, já nas autarquias de 2020, com objectivo de começarmos a avançar com a máquina, mas duvido que elas ocorram, porque o MPLA de João Lourenço tem medo de perder importantes bolsas eleitorais. Mas nós, quer elas se realizem ou não e com o desenrolar dos contactos, estaremos afinados, para o pleito de 2022, porquanto, hoje, o capital de Eduardo dos Santos está em alta, por ter piorado a condição social das pessoas e económica das empresas, nos últimos anos, com as políticas neoliberais e de entrega do país a privatização do capital estrangeiro, numa autêntica violação criminosa a nossa soberania”, concluiu, Matondo Lukas.
Mas poderá isso ocorrer sem necessidade de alteração da constituição, perguntará o leitor. Sim, em função da boçalidade feita por alguns juristas, escravos da bajulação, que não se coibiram de alojar essa cereja no texto constitucional.
Artigo 113.º
(Mandato)
1. O mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos, inicia com a sua tomada de posse e termina com a posse do novo Presidente eleito.
2. Cada cidadão pode exercer até dois mandatos como Presidente da República.
Este monstruoso regabofe jurídico e punhalada ao direito e à Constituição, chancelado pelo plenário do Tribunal Supremo, à época (nas vestes de Tribunal Constitucional), decidiu em Acórdão “que o mandato do Presidente da República só pode começar a contar à partir do momento em que se realizem eleições presidenciais conclusivas no país, seguido de posse efectiva do chefe de Estado eleito”.
E foi desta forma que em 2005, o Supremo decidiu que José Eduardo dos Santos nunca tinha cumprido um mandato presidencial conclusivo, significando que estava no cargo apenas como presidente em exercício, mesmo que todos os seus actos tenham sido de efectivo. E aquele egrégio tribunal deliberou: “Não vamos questionar se é ou não legítimo o mandato assim regulado, quer no plano jurídico, de que já referimos fundamento bastante, quer no plano político. Isto porque o problema da interpretação constitucional tem sempre um elemento político que não deve ser desligado do elemento jurídico, o que justifica a fragilidade interpretativa com cânones juridicamente restritos”, justificativa esdrúxula de venerandos juízes conselheiros, “bajuladores” e partidariamente identificados do Tribunal Supremo.
Em entrevista concedida à Voz da América em 16 de Julho de 2005, Carlos Feijó confirmaria o dolo constitucional causado a Angola e aos angolanos, quando afirmou que o tempo dos mandatos de JES não poderia ser analisado quer fora da actual constituição em si, quer fora da natureza do carácter provisório da própria constituição.
“Pessoalmente não sigo esta tese” disse o jurista, por entender que a partir de 91/92, houve apenas uma ruptura constitucional, logo o período de 1975 à 1992 não é contabilizável para efeitos de mandato.
“Estamos perante uma nova República, uma nova organização do poder político, estamos perante novos modos de legitimação do poder político. Há uma constituição, um novo regime político. E é aqui que esta questão se liga à natureza provisória desta constituição”.
Carlos Feijó alerta, então, que o fundamento da alteração constitucional, através da Lei 12/ 91 e da Lei 23/92 perseguiam um facto objectivo da necessidade de legitimação dos órgãos políticos.
“Realizavam-se as eleições legislativas e presidenciais, legitimava-se o poder político e aí se retomaria a normalidade constitucional. Ora, o que nós observamos é que o facto objectivo, isto é, a legitimação dos órgãos do poder político perdura até hoje. Explico-me melhor… não se tendo concluído as eleições presidenciais não se pode falar da legitimação dos órgãos do poder político”.
Por esta razão esclarece; “neste caso falamos tanto de mandatos do Presidente bem como de mandatos dos deputados”, por a razão de ser de uma norma sobre mandatos nos sistemas democráticos são os “checks and balances”- sistema compreensivo de controlo e fiscalização do sector público -, a não perpetuidade do poder, e a alternância que é um elemento da própria normalidade constitucional. No fundo a questão que se coloca é esta: o pressuposto normativo de uma norma sobre mandatos, é que, por exemplo, o Presidente no fim de cada mandato se submeta a um processo eleitoral de mais 5 anos e se submete novamente a votos. Se este pressuposto não for concretizado não se pode fazer a soma de vários mandatos. Na verdade, nem sequer faz sentido em falar em mandato presidencial, mas sim em duração de exercício do cargo.”
É uma autêntica elucubração jurídica, que parece agora, com o novo contexto ter hibernado na mente, anteriormente convicta de Carlos Feijó, até por estar a reinar um novo autor, um novo Presidente da República, João Lourenço.